Radialista, DJ, apresentador de TV e jornalista, ele tem o legado revisto no mês em que faria 70 anos, com seu acervo aberto ao público pela primeira vez na internet
Newton Duarte era um garotão. E música era a sua maior diversão. Por causa dela, o pacato professor de geografia, que lecionava no Colégio de Aplicação da UFRJ no fim dos anos 1960, se transformou no elétrico Big Boy. Multimídia antes que o termo fosse batizado, ele foi radialista, DJ, apresentador de TV e jornalista, sempre um passinho à frente do seu tempo em cada uma dessas atividades.
Falava de Led Zeppelin, tocava soul e funk, selecionava rock progressivo e os primórdios da eletrônica, e escrevia sobre tudo isso com maestria.
Morto em 1977, de infarto, aos 33 anos, após um ataque de asma, num hotel em São Paulo, ele subverte a idéia de que saudade não tem idade e reaparece agora com uma página no Facebook em sua homenagem, justamente no mês em que completaria 70 anos, fazendo jus a um de seus mais famosos bordões: “Hello Crazy People, Big Boy rides again.”
Criada pela ex-mulher, a professora universitária Lúcia Duarte, e por um dos seus filhos, o produtor de televisão e também DJ Leandro Petersen, a página abre ao público, pela primeira vez, o precioso arquivo de Big Boy. Desde o primeiro dia de junho (data do seu aniversário), estão sendo colocados ali vinhetas de rádio (como as da Mundial AM, em que comandava um célebre programa com seu nome), trechos de entrevistas (com Mick Jagger, por exemplo), fotos (ao lado de estrelas como James Brown e Stevie Wonder), reproduções de suas colunas (uma delas, Top Jovem, era publicada no GLOBO) e, claro, trechos de músicas, retiradas do seu acervo de mais de 20 mil discos de vinil (entre LPs e compactos). É um material que ajuda a traçar um valioso panorama da música pop e dos sons alternativos no Brasil e no mundo nos anos 1970, sob o ponto de vista de um dos seus maiores comunicadores.
— Era uma ideia antiga que tínhamos, de abrir esse acervo, de torná-lo público — conta Lúcia. — Chegamos a fazer vários projetos, inclusive de ceder esse material para um museu, mas sempre faltava alguma coisa. E havia essa eterna dicotomia entre a coisa pública e a privada, já que se trata de algo de interesse geral, mas que também é patrimônio da família, é parte de nossas vidas. A página no Facebook acabou sendo o formato ideal para homenageá-lo, tanto pelo seu caráter de “Baixo Net” (uma brincadeira com Baixo Leblon ou Baixo Gávea), onde todo mundo acaba dando uma passada, como também pela possibilidade de interação com o público. Além do mais, acho que se estivesse vivo, o Newton estaria na internet de alguma forma. Ele adorava tecnologia e era conectado à sua maneira. Era tão acelerado e de vanguarda que o mundo em torno dele parecia lento.
De fato, desde que entrou no ar, a página de Big Boy no Facebook (chamada, justamente, de “Big Boy rides again”) tem recebido diversas contribuições, desde apaixonadas declarações de amor a ele (um fã chegou a postar uma música que fez em sua homenagem) a preciosidades a que a própria família não tinha acesso, como a reprodução da entrevista dada por ele ao repórter Joel Macedo, para o número inicial da “Rolling Stone” brasileira, em sua primeira versão, em 1972 (“Ficamos rodando de carro, do Leme ao Pontal, eu no volante, ele falando, e um gravador no meio”, descreve Macedo).
— Eu o conheci como Newton Duarte, e ele era uma figura extraordinária, carinhosa, alegre, que se descobriu através desse personagem — lembra Nelson Motta. — Aprendi muito de música com o Big Boy. Seus programas eram incríveis e sempre traziam novidades, que ele conseguia através de um super esquema com aeromoças e amigos que traziam discos do exterior. Depois, quando ele começou a ter um quadro no jornal “Hoje”, na TV Globo, onde eu trabalhava, nos tornamos ainda mais amigos.
Na página do Facebook estão também capas e informações dos quatro discos que assinou como DJ, entre 1970 e 1974, dos tempos em que comandava os concorridos Bailes da Pesada, boa parte deles ao lado do parceiro, Ademir Lemos, inicialmente no Canecão e posteriormente em vários ginásios de clubes na Zona Norte. Um deles, “Baile da Cueca” de 1972, trazia a própria peça íntima encartada no disco.
— Ele fazia de forma brilhante o dever de todo DJ, que é apresentar novidades — conta Fernanda Abreu, que incluiu uma fala de Big Boy na abertura de “Baile da pesada” e o citou na letra da música, do disco “Entidade urbana”, de 2000. — Tocou rock, quando ainda era um som maldito, e também soul e funk, abrindo espaço para o som negro nos bailes. Foi uma figura revolucionária, um comunicador brilhante, que influenciou toda uma geração.
Curiosamente, uma das mais cultuadas heranças de Big Boy — que chegou a brincar de ator, em um programa de Chico Anysio, em 1972, como Índio Jerônimo — foi feita em silêncio. Nos primórdios da FM no país, ele assinou a programação da rádio Eldo Pop, do Sistema Globo de Rádio. Como o formato ainda estava em fase de testes, teve total liberdade para usar o espaço e criar uma estação experimental, em 1973, sem vinhetas ou locutores. Na Eldo Pop, colocou no ar grupos de rock dos mais variados estilos, principalmente do chamado som progressivo, abrindo espaço também para pioneiros da eletrônica, como Kraftwerk e Tangerine Dream.
Como as músicas não eram identificadas, até hoje tem gente buscando os nomes das sequências em salas de discussão on-line.
— Tenho plena convicção de que, se ele não tivesse partido tão cedo, a música no Brasil teria uma outra dimensão — afirma o radialista, DJ e jornalista Maurício Valladares, discípulo assumido de Big Boy. — Com aquele ar de Chacrinha e a quantidade de informação que possuía, ele deixou conquistas que só hoje estão sendo entendidas.
Fonte: Carlos Albuquerque (Jornal O Globo)
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