Os atestados de morte e ressurreição de mídias nestes últimos 20 anos têm sido colocados à prova a cada momento de transição. Vimos a suposta morte comercial do vinil no início dos anos 90 (quem não se deliciou com as cenas de Heleninha Roitman ouvindo uns 'lasers' em Vale Tudo), a do CD no início dos anos 2000 com o mp3 e os CDs piratas. Assistimos ao surgimento das interfaces de compartilhamento de mp3 como o Napster e o SoulSeek, processos aconteceram, cabeças rolaram, e hoje temos blogs que compartilham links em FTP, artistas disponibilizando faixas para download em mp3, iTunes tentando ganhar um troco, e uma safra infinita de novos lançamentos em mídia física. E o que é mais interessante, em vinil.
São inúmeras as estratégias de se prensar a tal da bolacha. Gente com esquemas de consignação para prensagem em Londres, outros em acordos com uma fábrica na República Tcheca, e alguns investindo na Polysom do Rio de Janeiro, reativada em 2009 pelos proprietários da DeckDiscos.
Um híbrido de fetiche com a sensação de se estar criando algo mais perene , o lançamento de disco em vinil tem adquirido cada vez mais adeptos. 'A meu ver, é um fetiche com uma ótima justificativa. LP é, para mim, o formato oficial do "álbum". É um objeto gráfico muito mais interessante. Menos descartável, mais lúdico. Além da sonoridade ser, em boa parte das vezes, mais orgânica e quente', argumenta Léo Cavalcanti, multi instrumentista e compositor que acaba de realizar o lançamento de seu álbum 'Religar' em vinil.
Fabricado na República Tcheca, o novo 'Religar' chega vistoso nas prateleiras com a arte do ilustrador Vitor Zalma e da designer Ciça Lucchesi incrivelmente potencializada. No entanto, aos meus ouvidos, o CD ainda entrega melhor todos os espectros de frequência contidos nas gravações em sistema digital 24 bit, sobretudo quando falamos de graves e agudos. Em termos bem simples, é como se, para fazer soar bem em vinil, seja necessário utilizar técnicas e sistemas de gravação e mixagem compatíveis com a mídia. O que não nos priva do prazer de desfrutar de seus benefícios.
'O Ritual do Lado A/Lado B é algo que concentra as atenções no momento da audição. A volta do culto ao "LP" é, para mim, um sinal de que o "álbum" não morreu. O álbum, quero dizer, o conjunto de músicas que forma tal unidade, que tem algo em comum,' continua.
Outro jogo de argumentos em questão é a delimitação cada vez mais estreita das funções que cada formato pode entregar ao artista e ao público. O LP entra não apenas como uma solução mais perene e fetichista, mas como também retoma o valor artístico do objeto físico em tempos de bits e bytes. O que imaginávamos estar três gerações atrás da música digital, pode ser agora a via possível para o que sobrou da indústria fonográfica. O que não exclui a importância do CD, que permanece no mercado como um folder promocional, um cartão de visitas mais refinado, um show room portátil 'presenteável'.
'Meu interesse em lançar um disco de vinil partiu da observação do uso e do valor que o CD tem hoje em dia, que é muito mais de uma ferramenta de promoção, e de um transporte de dados entre o artista e o mp3 player do ouvinte. Em contrapartida, achei que o vinil ainda carregava o mesmo o valor de objeto musical e artístico, algo a ser curtido e apreciado, colocado na decoração da sala de casa. Um pouco um resgate do que era na nossa infância e adolescência, e um pouco sua natureza mais convidativa, uma proposta mais de parar, sentar e escutar a música ali contida. Além do tamanho da capa permitir uma apreciação um pouco mais demorada da arte gráfica e das informações textuais', complementa Mauro Motoki, que realizou um lançamento deveras ousado para seu disco Bom Retiro em dezembro do ano passado, nos formatos mp3 para download, vinil e pen drive.
'Bom, deve ter tido um ou outro jornalista que jogou fora o pacote todo. Mas como o vinil faz um volume, e o pendrive no mínimo tem uma reutilização, acho que a maioria se salvou! Brincadeiras à parte, cheguei à solução do pendrive justamente pensando na praticidade do jornalista (e do público) que não tem acesso fácil a um toca discos. Acho que a imprensa que falou do disco, que é especializada e quase toda paulistana, recebeu com naturalidade os formatos, dando a devida atenção ao conteúdo, mais do que à forma ou à mídia', comenta.
Nas prateleiras
Todavia fica sempre no ar a questão: e aí, ele voltou então? Bom, em minhas últimas semanas em São Paulo, fui surpreendido com a presença de vitrolas novas nas prateleiras da Fnac Pinheiros. Até então, eu havia presenciado novos produtos apenas na Europa. Não estou dizendo que a Fnac é um reflexo do mercado nacional. Muito pelo contrário. Mas o fato de termos na mesa de opções toca discos de vinil novos não é algo isolado.
O fato é que o vinil se tornou uma importante ferramenta de trabalho no mercado local, ao gerar uma aproximação maior entre o público e o artista por ser um objeto físico artístico mais perene e valioso. Apesar de seu alto custo de produção no Brasil (uma média de 25 reais por peça se fabricado na Rep. Tcheca com todos os impostos incluídos), pela constatação dos artistas, o investimento tem valido a pena.
'Fiquei surpreso com a procura (do meu disco em vinil) antes mesmo dele chegar da fábrica. Além dos LPs que vendi antecipadamente, fui vendendo pelo site e rolou legal. As lojas começaram a ter vinis pra vender, tem LP meu na Livraria da Vila, Livraria Cultura, Baratos & Afins, Compact Blue, é um mercado que tem crescido e está totalmente ao nosso alcance. Sou eu que levo os discos pras lojas e faço as vendas e está funcionando super bem, porque eu freqüento as lojas de discos desde sempre, então conheço muita gente do meio', explica Tatá Aeroplano, artista independente paulistano que lançou recentemente seu primeiro disco solo que leva seu nome.
A movimentação do mercado independente tem se mostrado mais inteligente e adaptada aos novos tempos. Os artistas tem conseguido preços mais maleáveis e alcançado o público de formas mais diversificadas, tornando suas vendas mais dinâmicas como bem colocou nosso amigo. Mesmo assim os valores praticados pelas lojas e pelos artistas ainda são bem elevados se comparados aos CDs.
Neste sentido, a diferença de valores entre o mercado brasileiro e o francês é algo interessante a se colocar. Ao passo que no Brasil o custo de fabricação de vinil é 5 a 6 vezes maior em relação ao CD (realizando na Europa com todos os custos de importação ou realizando no Rio de Janeiro) e o seu preço final ao consumidor 3 a 4 vezes maior, em Paris você pode encontrar o mesmo título em ambos formatos quase pelo mesmo preço. O que não significa que sua fabricação seja menos custosa: o custo de prensagem em vinil costuma ser em média 3 vezes maior. É como se não houvesse um interesse tão grande que justificasse valores diferenciados. Existe um público, mas ele não é deslumbrado pelo formato, não há uma componente de 'nostalgia' ou 'luxo', não é algo necessariamente especial.
Música não só para os ouvidos
Em tempos de intensificação de trocas de informação, e pela própria lógica Walter Benjaminiana da reprodutibilidade técnica, as mídias físicas estariam com seus dias contados. Entretanto, estão aí em 2012. É um modismo? Será que perdura ou vai ser passageiro, e tão logo nos voltaremos para a musica digital? 'É um modismo que faz crescer o interesse genuíno, e isso é saudável. Acredito no vinil e no livro de papel. Mas baixo meus mp3 e leio meus ebooks', argumenta Motoki.
'Acho que existe uma procura, mas não sei se ela é tão expressiva a ponto de apontar um "novo mercado". O que parece é que os "best sellers" atuais vendem bem em LP. Mas acho que ainda está num nicho muito específico e seleto - os dos colecionadores apreciadores de música. Poucas pessoas ainda possuem uma vitrola. Por outro lado, novos aparelhos com vitrola e MP3 vem surgindo nas prateleiras. Acho que faz parte de um certo movimento "vintage" que vivemos. Como se o orgânico, o artesanal, expressasse boa qualidade', contra argumenta Cavancanti.
'O mercado está crescendo, mas tem o tamanho certo, exato, tipo, você prensa 250 , 300 cópias e vai levar um tempo pra vender e tals. Mas não vejo como modismo, as pessoas que gostam de degustar música vão comprar vinil cada vez mais', conclui Aeroplano.
Da minha parte, sinto que o formato das mídias também define seu mercado. A produção física, por ser física, se encontra cada vez mais limitada pelas fronteiras geográficas. Não podem estar em qualquer lugar, a qualquer hora, a custo zero. Por isso reforço o aspecto 'territorial' de sua comercialização - sobretudo com relação ao vinil — apesar de acreditar na possibilidade de expansão de mercado. Afinal de contas, somos humanos, feitos de carne, osso e paixões, e gostamos de ouvir o ruído da agulha.
Fonte: Dudu Tsuda - Ultrapop (Yahoo)
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